Tudo começa no ossinho do pulso. Posso tremer a perna, ficar olhando a noite toda, passar a língua na boca que se o meu pulso não foi, como quem não quer nada, parar na boca, não adianta. Esse é o meu código: uma leve mordida no ossinho do pulso. Semi- instintivo; como se o corpo me mandasse um sinal de que está pronto - e no ponto. Dentes no pulso, uma risada desconcertada, olho para o chão, olhos subindo, pés, pernas, barriga, mãos. Um jeito meio sem graça até cruzar de novo o olhar, dois minutos para mandar a dúvida embora, uma bebida transparente, cigarro ou não cigarro, outro sorriso, uma cantada barata, ou então um "tá calor, né?" com a maior cara de safado do mundo. O jogo mais velho de todos, com cartas marcadas e final previsto: boca com boca, língua com língua, pele com pele. A mesma coreografia; podendo variar. A mesma descoberta do corpo. As mãos se lançam para conhecer o campo de batalha mas quase sempre o reconhecimento se dá na pele, de olhos fechados e respiração compassada... "Tá calor, né?" E quando se repara, olha o pulso na boca de novo. O tempo entrando em suspensão até ninguém mais dar conta de nada que não sejam gemidos, movimentos, gosto, toque, sentidos - e não se dar mais conta do tempo que passou.
Cigarro ou não cigarro, mais beijos, sono a dois, sonho a dois, água, café, começar de novo. Tudo depende da previsão do tempo. E de uma outra mordida no ossinho do pulso. Que é onde tudo começa. Por Marcelo Belico, às
9:27 AM.
terça-feira, fevereiro 22
83. led
Assento para escrever com o fone de ouvido no talo. Going to California, Jimmy Page and Robert Plant. Smoked my stuff and drunk all my wine e eu aqui parado. Assentado. Olhando os dias passar e o cair da tarde na lagoa. Penso. Não tomo uma cerveja alguns dias, tenho me dado álcool em doses bem menores. Sem cigarros: penso. Sinto falta de um porre como os antigos. Nada para melhorar meu astral como uma bela amnésia alcóolica. No fundo um medo de ser confundido com pedintes de bar me limita. Limitado. Sinto falta de alguma decadência vivida tempos atrás. De arrastar as pernas e não ter certeza de exatamente muita coisa, sinto o excesso do controle do relógio e a canga da responsabilidade adquirida engatada em algum lugar de meu lombo. Como se fosse eu um corpo abraçado por ferros. Sinto o chão faltar.
Seems that the wrath of the gods got a punch on the nose and it started to flow I think I might be sinking e eu aqui parado, escrevendo. Extremamente descontente em um dia que nasceu normal. Azul, sem chuvas, previsão do tempo 25 graus, típico dia de rotina. Algum eu passado não suportava rotina. Fedia a vinho barato de garrafão e a boca amalgamava um entorpecente ilícito. Tinha olheiras, vestia preto e uma certeza de não ser exatamente feliz. Em que momento minha decadência (eu me lembro de uma conversa, um caso antigo ter-me dito se parecer um roqueiro decadente - eu ouço Jimmy Page), em que momento essa decadência tomou curva e fez-me um ser que bate ponto, responde por algo, executa? Preciso, sim, de um porre. Para lembrar o que fui.
Never let them tell you that they’re all the same e continuo parado ouvindo a mesma música. Não há depressão. Há falta da falta. Não há mais descompromisso, atrasos, ressacas de quartas-feiras, olhos minguados. Existem faces coradas e pele branca, tenra como um peru de natal me disseram hoje. Nada mais. Sem festas de quinta-feira, sem ardor de fumaça nos olhos, sem o cinza e os cabelos oleosos da madrugada. Sem borrões de rímel. Apenas uma figura mecânica, conformada. Feliz no correr dos dias como as pessoas da matéria do Fantástico. Precisando urgente de uma punção de vida qualquer, antes da mecanização suprema. Por Marcelo Belico, às
3:00 AM.
terça-feira, fevereiro 15
82. tabela periódica
O arsénico é encontrado na Natureza pelo homem desde a Antiguidade. Já Aristóteles referencia o sandarach (trisulfureto de arsénico) no quarto século antes de Cristo. No século I d.C. Plínio afirmou que o sandarach podia ser encontrado nas minas de ouro e prata e que o trióxido de arsénico é composto da mesma matéria que o sandarach. No séc. XI eram conhecidas três espécies de arsénico: a branca, a amarela e a vermelha, conhecidas respectivamente por trióxido de arsénico, trisulfureto de arsénico e disulfureto de arsénico (realgar).
É atribuída a Albertus Magnus a descoberta do arsénico metálico no séc. XIII. No entanto, a documentação que deixou é considerada vaga. Foi só em 1649 que J. Schroder relatou claramente a preparação de arsénico metálico por redução de trióxido de arsénico com carvão. Trinta e quatro anos mais tarde, N. Lemery também observou a possibilidade de produção de arsénico metálico por aquecimento de trióxido de arsénico com sabão e potassa. No séc. XVIII as propriedades do arsénico "metálico" eram já suficientemente conhecidas para o classificar como semimetal. Por Marcelo Belico, às
1:56 PM.
sexta-feira, fevereiro 11
81. procura-se 5 (e último)
Ela sempre trabalhou em casa de artistas famosos, acompanhando a mãe. Primeiro como copeira, depois foi cozinheira e hoje é governanta na casa daquele ator dono de hotel em Miami. Sempre ressentida com sua falta de talento para o palco, certa vez chegou a tentar o papel de corista em Xanadu, tendo sido desclassificada no primeiro teste. Nas horas vagas estuda química aplicada à cosmetologia, e redescobriu as propriedades da mistura de arsênico e cantaridina aos cremes para os olhos. Fã de Umberto Eco, já assistiu a O Nome da Rosa mais vezes que se possa imaginar.
Atenção: aqui encerro o meu levantamento de personagens. Depois resolvo o que fazer com eles, talvez quando os encontrar. Por Marcelo Belico, às
12:56 PM.
sexta-feira, fevereiro 4
80. procura-se 4
Ele fugiu de casa com o circo aos sete anos de idade; lavou muito elefante, tratou de leões, cuidou dos macacos. Estreou no picadeiro como garoto contorcionista, mas voava no trapézio como se estivesse nascido ali. Aos quinze anos já pilotava no globo da morte e aos vinte era o melhor mágico da região. Teve de abandonar tudo quando num acidente serrou de verdade a sua ajudante de palco. Desde então trabalha como contra-regra de uma emissora de tevê. Adora Barbra Streisand e Bette Davis, tem uma tatuagem de dragão na virilha.
Atenção: esse personagem pode ser você. Por Marcelo Belico, às
9:59 AM.
terça-feira, fevereiro 1
79. procura-se 3
Ele passou a vida tentando se firmar como escritor, apesar de nunca ter conseguido produzir mais de duas páginas em qualquer texto. Hoje passa uma imagem sombria, e contam ser viciado em calmantes. Considera-se um paria social, mas as pessoas o enxergam como um canalha de marca maior. Tem a péssima mania de estragar tudo e todas as coisas, tem o poder de machucar qualquer um que se aproxime, inevitavelmente, e sempre sem intenção alguma. É um inútil; e vai ser isolado no primeiro momento oportuno. No meio do conto é encontrado morto em um bar de ópio em Kathmandu.
Atenção: esse personagem já tem dono, não pode ser você. Até porque você não vai querer ser uma besta dessas, né? Por Marcelo Belico, às
1:54 PM.