terça-feira, setembro 28

43. menino antigo

Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras.
Estudar, a gente estuda. Mas depois,
ei pessoal: furtar jabuticaba.
Jabuticaba chupa-se no pé.
O furto exaure-se no ato de furtar
Consciência mais leve do que asa
ao descer,
volto de mãos vazias para casa.

(Carlos Drummond de Andrade)


É enfim tempo de jabuticaba, o que significa que mais um inverno passou. Esse ano com as chuvas e o tempo enfim corretos devemos ter boas dúzias de ambulantes perdidos pelo centro da cidade com carrinhos-de-mão hiperlotados de bolinhas pretas e roxo-escuras dos quintais das casas. Mas não compro jabuticabas. Pelo mesmo motivo que não compro goiabas ou carambolas; é um absurdo eu pagar qualquer quantia por algo que ainda posso pegar num pé. Então aguardo; jabuticaba só no feriado. Quando fujo para o sítio de algum parente e desapareço por horas no pomar.

Procuro conservar certos hábitos do menino do interior que fui. Um deles de ainda cozinhar em fogão a lenha e panelas de ferro, mesmo que em poucas vezes no ano. Outro é o de subir em árvores. Não que eu tenha sido um menino-macaco, daqueles que viviam trepados. Dava as minhas subidinhas em mangueiras, laranjeiras (cuidado com espinhos e pregos enferrujados presos ao tronco, já aviso) e principalmente jabuticabeiras, sempre com algum medo de cair ou escutar um menino, desce daí de minha mãe, devidamente acompanhado por um par de chinelas. Sempre preferi escalar as árvores discretamente, quando ninguém estava olhando. Isso herdei de meu avô, que ainda hoje aos 75 anos sobe na goiabeira de seu quintal para pegar as frutas lá de cima.

*Menino Antigo é também o título do poema de Drummond que inicia esse texto.

Por Marcelo Belico, às 12:01 AM.




sexta-feira, setembro 24

42. a morte do pássaro

A mangueira próxima a meu prédio costuma abrigar alguns ninhos. Os casais de pássaros, como em todo fim de inverno, põem e chocam seus ovos. A árvore canta mais alto em setembro. E os filhotes nascidos vivem o aprendizado mais importante de suas vidas: a aula de vôo. Por trama da natureza alguns poucos não passam de parcos batidos das asas. E caem. Ou no quintal do prédio ou dentro de minha garagem, sobre algum carro. Esses filhotes caídos, como anjos descidos ao inferno, são naturalmente condenados à morte, incapazes de realizar o ato primeiro da ave. Assim se dá desde sempre.

Essa semana minha casa abrigou por algumas horas um desses pássaros caídos; recolhido na garagem por minha tia que, comiserada, catou o animalzinho, colocou em uma pequena gaiola-alçapão, deu-lhe água e farelo. Eu cheguei e estava ele, pássaro e filhote condenado, recolhido a um canto da gaiola já pequena sobre a máquina de lavar. Olhei, acariciei o bicho, ainda menor e amedrontado, e percebi a sua completa aceitação. Como se dissesse um miúdo daqui a pouco vou morrer para todos que por ele passassem. Logo depois ele foi doado ao porteiro. Que contou a morte do pássaro, dois dias depois, dizendo que a ave até ensaiou uma melhora e alguns pulos, porém não conseguiu voar e acabou morrendo.

Entristeceu-me não ter dado um enterro decente ao pássaro, agora morto em uma lata de lixo de um bairro distante. Eu, fosse em minha casa, teria posto aquele bichinho que tive em minhas mãos pelo menos dentro de um rio. Não era o caso. Não era a hora. Hoje existe uma gaiola-alçapão vazia sobre o parapeito da janela, o porteiro devolveu. E, quem sabe, a memória de um pássaro.


Listening: William Ackerman - Dance for the Death of a Bird.

Por Marcelo Belico, às 9:38 AM.




terça-feira, setembro 21

41. ainda o ofício

"Acredito na cultura de edição, o que nos permite compartilhar com outros muitos aspectos de nossa cultura mais ampla através do processo de escrita, da impressão e da leitura. Se tenho uma filosofia com relação ao design de livros, é a de que seu design deveria ser feito para os leitores. Minha preocupação principal é sempre apresentar o texto da maneira mais clara possível, para que o leitor possa ter acesso direto ao texto do autor sem ser inibido ou interrompido por minha intervenção. Quando faço o design de um livro, objetivo apoiar a estrutura do texto usando um repertório tipográfico de que disponho, mas nenhum outro elemento além daqueles necessários. Ao mesmo tempo, tento dar a devida atenção aos aspectos estéticos e práticos de escala, proporção e materiais. Não me envergonho de ser minimalista e, se tenho um lema, é o de que menos é mais." Ron Costley. In: Martins Filho, Plinio. A Arte Invisível.

Por Marcelo Belico, às 9:49 AM.




sexta-feira, setembro 17

40. passo dois

A borboleta bota o ovo em uma folha, e desse ovo nasce uma lagarta, que é a primeira forma de larva desses insetos. Em seguida, a lagarta se transforma, passando por outras formas de larva, até originar a borboleta adulta. Como a borboleta tem um ciclo de vida relativamente curto já era hora de mudar. Passar direto de larva a inseto, pulando o casulo desta vez. Porque, em verdade, casulo trama e fios ocorrem abertamente aqui.

Como segundo passo é bom alçar vôo; para pegar novos ares ou também pôr outros ovos.

Por Marcelo Belico, às 12:00 AM.




terça-feira, setembro 14

39. a história de Markandeya

Há muito, muito tempo, os seres vivos haviam perecido. O mundo todo era somente um pântano, cinza, frio e sombrio. Apenas um homem sobreviveu, solitário, à grande devastação. Seu nome era Markandeya. Ele caminhava pelas águas podres, exausto, sem encontrar abrigo ou qualquer sinal de vida. O homem seguia em desespero, sua garganta presa, extremamente entristecido. De repente, e sem saber exatamente o porquê, o homem olhou para o lado e percebeu atrás de si uma imensa figueira, nascida dentro de uma poça de lama. Aos pés dessa árvore estava um lindo e sorridente menino. Markandeya parou, completamente estarrecido, sem entender o que aquela criança fazia ali.

E o garoto disse: "Você precisa descansar. Venha para dentro do meu corpo."

O homem velho desdenhava do menino, mas este abriu a sua boca e dela veio um vento tão forte e tão irresistível que engoliu Markandeya. O velho entrou sem nenhum arranhão na barriga da criança. Lá dentro, ao seu redor, ele viu um pequeno córrego, árvores, vários bois. Viu mulheres carregando água, uma cidade, ruas, multidões, rios. Dentro daquela criança Markandeya percebeu toda a Terra, calma e bela; viu o oceano e o infinito céu azul. O homem caminhou por um longo tempo, por mais de um século, sem nunca encontrar o fim daquele corpo. Subitamente um mesmo vento soprou e o velho foi tragado, saiu pela mesma boca em que entrou e viu novamente o menino aos pés da figueira.

A criança olhou para Markandeya e com um sorriso disse: "Espero que você tenha tido um bom descanso."


* Tradução livre de um trecho de O Mahabharata.

Por Marcelo Belico, às 8:45 AM.




sexta-feira, setembro 10

38. oficina

Coração de gente nasce igual carro novo, tinindo de brilhando, lustroso e sem risco. E é tanto cuidado no medo de trincar que, igual carro e sapato novo, coração de gente não roda bem. Precisa amaciar, demora. Por isso que gente nasce pequeno, para dar tempo de amaciar o coração, passar óleo nas juntas e aprender a andar. E coração nem pede carta de motorista, qualquer um tem e pilota a seu jeito. Por isso que cedo ou tarde arranha, traça lá a marca na pintura. Não tem jeito, coração que quer aprender a rodar tem de dar seus solavancos. Normalmente isso vai devagar, uma batidinha aqui, um acerto na coluna da garagem ali, até quando o dono do coração pensa que já azeitou tudo o que devia. A lataria tem uns traços, mas nada que um martelinho de ouro não conserte. Engata a primeira, arranca, acelera, passa segunda marcha, terceira e pá! Por acidente ou sopro divino enfia o coração no poste e dá quase perda total. E dá-lhe coração na funilaria, desamassa, faz lanternagem, pinta de novo e fica lindo. Nem parece que cacetou. Por fora. Que por dentro o coração fica doído, todo traçado e machucado. Com memória de carro batido. Viu que não é pra enfiar tanto o pé naquela curva, que tem hora de pisar no freio, que fazer controle de embreagem no morro é foda.

Tenho um coração que andou passando pelo lanterneiro. De longe parece novo, de perto mostra que está gasto. Mas com muito gás, ainda, ou muita gasolina. Para rodar macio em muita, muita estrada. Ainda sem habilitação mas, vai saber, até quando.

Por Marcelo Belico, às 7:48 AM.




terça-feira, setembro 7

37. pão de cebola

- 2 ovos inteiros
- 250g. de creme de leite
- 1 copo americano de água morna
- 1 copo raso de óleo vegetal (pode ser de soja, milho, amendoim ou qualquer coisa que tenha nascido da terra)
- 2 cebolas médias
- sal a gosto
Bater estes ingredientes no liquidificador. Deixe no copo do liquidificador.

- 70 g de fermento biológico (aquele de padaria, entende?)
- 2 colheres de açúcar
Misturar os dois em uma bacia grande até que virem uma mistura líquida. Acontece. Dois sólidos viram líquidos somente com a mistura. Se tiver sobrinhos, chame e diga que você virou o Mr. M.

Depois de tudo feito, misturar a primeira mistura (do liquidificador) com a segunda (do Mr. M) e mexer bem. Colocar farinha de trigo aos poucos até que tome a textura de massa de pão. Reserve e espere crescer por uma hora, mais ou menos. Faça pãezinhos em forma de bolinhas de aproximadadmente 8,2 cm de diâmetro e espere crescer por uns 20 minutos. Asse em forno pré aquecido. Fica bom com tomate seco, aliche ou queijo cremoso.

Por Marcelo Belico, às 9:25 AM.




sexta-feira, setembro 3

36. língua estrangeira

Comecei a aprender inglês aos sete anos, em uma turma em que a média de idade era treze, catorze anos. E uma das coisas mais estranhas para mim, no começo, foi as pessoas dizerem que inglês era tudo de trás pra frente. Na minha fantasia, então, o inglês seria uma língua muito fácil, onde bastava apenas pegar o texto e escrever invertido.

.oditrevni revercse e otxet o ragep sanepa avatsab edno ,licáf otium augníl amu aires sêlgni o ,oãtne, aisatnaf ahnim aN .etnerf arp sárt ed odut are sêlgni euq merezid saossep sa iof ,oçemoc on ,mim arap sahnartse siam sasioc sad amu E .sona ezrotac ,ezert are edadi ed aidém a euq me amrut amu me ,sona etes soa sêlgni rednerpa a iecemoC

Por Marcelo Belico, às 2:45 AM.





Marcelo Belico
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