- Você está pálido demais, branco demais.
- É o vento frio.
- Você está gelado.
- Bobear porque morri um pouco.
(Noite de ontem, minha tia e eu.) Por Marcelo Belico, às
10:35 AM.
terça-feira, outubro 26
51. da noite em que sonhei comigo moço
... eis então você. Tens belos olhos, não os recordava assim vivos. Anda, levanta este rosto e mostra-mo. Belo ainda. Belo belo como noutros tempos. Olha para mim. Entenda, isso não passa de um pequeno acerto, talvez um pedido de desculpas. Peço perdão a você, garoto. Perdoa-me e tudo estará passado. [...] Encantam-mo os teus olhos. Sinto vontade de arrancá-los e de lanhar as tuas costas até que sangres tanto que esqueças o teu nome. Tenho a ânsia de raspar-te a cabeça e marcar-te as coxas com ferro em brasa. Já! Para que compreendas a dor e sofras apenas as marcas do corpo. Amo-te tanto quanto a mim mesmo... Perdoa-me a ironia.
... já sabes quem sou, já sabes porque o amarro. Vieste muito fácil até mim, mesmo conhecendo que sou teu futuro e algoz. Olha. Meus olhos perderam seu encanto há muito. Não chores, pouco adiantam as lágrimas. Não ignora o teu destino, não ignora as luzes... Toma. Aceita este copo, bebe. [...] Vontade de beijá-lo sem pausas, sem compasso ou métrica. Recordar-mo o gosto. Conheço-te mais que a mim mesmo, garoto. Queria conhecer mais a mim. Queria talvez estar em teu lugar. Amarrado. Com um louco a gritar defronte palavras inúteis. [...]
... deita-te, abraça-mo. Não o farei mal. Apenas escuta: perdoa-mo. Perdoa-mo as futuras noites de solidão. Perdoa-mo as lágrimas. Perdoa-mo os sonhos que te roubei. Perdoa-mo as desilusões, os meses em claro, os arroubos e arrebatamentos. Perdoa-mo os desatinos. Perdoa-mo tudo o que farei você passar. E crê, chegará a hora em que tu também quererás o teu perdão. [...] Agora dorme garoto, e sonha. Quando acordares tudo estará como sempre foi. Por Marcelo Belico, às
1:02 AM.
quinta-feira, outubro 21
50. meme buendía
" [...] Naqueles momentos de descontração é que se revelavam os verdadeiros gostos de Meme. A sua felicidade estava no outro extremo da disciplina, nas festas ruidosas, nos fuxicos de namoro, em trancar-se prolongadamente com as amigas em cantos onde aprendiam a fumar e conversavam assuntos de homem, e onde uma vez passaram a mão em três garrafas de rum e acabaram nuas, medindo e comparando as partes do corpo." (MARQUEZ, Gabriel Garcia. Cem anos de solidão)
Dedicado ao Luca, que supreendentemente me conhece e me deu esse apelido. Por Marcelo Belico, às
11:12 PM.
terça-feira, outubro 19
49. na gráfica
"Porque você, Belico, é como um termômetro de carro. Funciona bem naquela variação normal de temperatura. Mas quando esquenta demais, passou do vermelho, degringola tudo e sai até fumaça."
Ouvi isso de um vendedor que me conhece há anos. Por Marcelo Belico, às
3:16 PM.
sexta-feira, outubro 15
48. casinha branca
Fiz uma casinha branca lá no pé da serra prá nós dois morar. Fica perto da barranca do Rio Paraná. A paisagem é uma beleza, eu tenho certeza você vai gostar. Fiz uma capela bem do lado da janela prá nós dois rezar. Quando for dia de festa você veste o seu vestido de algodão; quebro meu chapéu na testa para arrematar as coisas do leilão. Satisfeito eu vou levar você de braço dado atrás da procissão. Vou com meu terno riscado, uma flor do lado e meu chapéu na mão. (Elpídio dos Santos) Por Marcelo Belico, às
6:25 AM.
terça-feira, outubro 12
47. dia de rojão
Tenho medo de foguetes. Herdei isso de um cachorro que morou em minha casa durante alguns anos e era extremamente histérico. Rebentava foguetório, fosse futebol, aniversário ou dia santo, o bicho se metia debaixo da cama e tremia como se estivesse saído de uma surra. Também porque em um ano novo na praia estava ao lado de minha avó quando um rojão caiu perto da sua perna. Durante um tempo imaginei que foguetes transformavam as pessoas em loucas iluminadas. Ainda existe o caso - acho que clássico, todo mundo deve ter passado por algo parecido - de, toda vez que via uma pessoa sem braço, ter de ouvir da minha mãe um isso é que dá ficar soltanto foguetes.
Não fui exatamente uma criança comportada. Era um Marcelo normal como qualquer menino com esse nome (ou seja: um capeta por tradição). Adorava estourar bombinhas cabeça-de-nêgo em tudo quanto é lugar, no muro do prédio, cano velho de pvc com uma tampa de panela por cima para voar, já incendiei pelo menos uma lixeira nessa brincadeira. Fora quando cismava com buscapés e os soltava no meio do passeio para o povo sair correndo. Deve ter sido por isso que a minha mãe cansou e me pôs medo das coisas que estouram. Agora gosto dos fogos de longe, como hoje em que a cidade inteira se estoura para Nossa Senhora Aparecida ou quando tem festa e a gente fica quinze minutos com o pescoço para o alto vendo as luzes com cara de bobo. Mas já faz muitos anos que não acendo nada que tenha pólvora. Por Marcelo Belico, às
12:27 PM.
sexta-feira, outubro 8
46. pausa
Desde abril não visito meus irmãos, minha casa e meus cachorros. Hoje isso se conserta. Por Marcelo Belico, às
1:39 PM.
Ya ves / tú nunca me has querido ya lo ves / que nunca he sido tuyo ya lo sé / fue sólo por orgullo ese querer // Ya ves / de que te vale ahora presumir / ahora que no estoy ya junto a ti / que les dirás de mi. Por Marcelo Belico, às
10:33 AM.
sexta-feira, outubro 1
44. pincel
Sou filho de professora de artes, daquelas que no ensino fundamental ensinam a recortar, colar, destroçar revistas e fazer presentes toscos nos dias das mães e dos pais. Além disso, por muitos anos a minha mãe se dedicou à pintura, acho que mais como um passatempo do que necessariamente um ofício. Fosse ela vender os seus quadros e ganharia no máximo uns dez reais na feira da Afonso Pena. Claro que eu achava tudo maravilhoso em minha infância, a casa cheia de tinta a óleo e revistas velhas e cavaletes e letraset e aquelas forminhas de escrever umas letras horrorosas e papel crepom e folhas e folhas de cartolina. Ela até me incentivava na escola, decorava e encapava meus cadernos, ajudava nos trabalhos de educação artística. Foi com ela que aprendi a colorir raspando a ponta do lápis com estilete e preenchendo o espaço desejado com um algodão sobre a poeirinha colorida produzida na operação. Muito útil mesmo.
Até quando eu pedi para ela me colocar em uma aula de pintura. Isso não é coisa de homem, foi a resposta que tive. Sei lá se minha mãe estava sem dinheiro e não podia pagar o curso ou se achava que eu não levava jeito para a coisa. Porém ouvi que pintura não é coisa de homem. Na época me conformei, mas nunca esqueci o dito. Hoje trabalho em uma editora de livros de arte, e vez por outra dá vontade de dizer a ela que tem mais livro de artista homem por aqui do que de artista mulher. Do menino querendo ser pintor acabei programador visual, a minha mãe ainda me quer médico. Até hoje, aos vinte e sete anos. Ela sonha com o dia em que vou acordar e fazer um vestibular para as roupas brancas. Em contrapartida faço mais coisas que não são de homem do que naquele tempo. Tivesse ela me dado tela e tintas seria tudo diferente? Por Marcelo Belico, às
11:15 AM.