(...) Supliquei, pedi um sinal, enviei mensagens ao Céu: nenhuma resposta. O Céu ignora até o meu nome. Eu me perguntava, a cada minuto, o que eu poderia ser aos olhos de Deus. Agora, já sei a resposta: nada. Deus não me vê, Deus não me ouve, Deus não me conhece. Vês este vazio sobre nossas cabeças? É Deus. Vês esta brecha na porta? É Deus. Vês este buraco na terra? É Deus ainda. A ausência é Deus. O silêncio é Deus. Deus é a solidão dos homens. Eu estava sozinho: sozinho, decidi o Mal; sozinho inventei o Bem. Fui eu quem trapaceou, eu quem fez milagres, eu quem se acusa, agora, eu, somente, quem pode absolver-me. Eu, o homem. Se Deus existe, o homem nada é; se o homem existe... para onde vais? - Jean Paul Sartre. Por Marcelo Belico, às
1:42 AM.
terça-feira, julho 27
25. amarelo ...e quem há de negar que esta lhe é superior? O encantamento existe e vem das coisas simples. Não se precisa muito para compreender o tão-somente belo que cada um guarda em si. Basta um pequeno olhar, uma delicadeza e lá está aparecida a ação transformadora. Uma que tranquiliza, acalma e enternece. Assim o é. Ou pode ser.
Jamais esquecerei os amarelos que amaciaram meu coração. Por Marcelo Belico, às
2:14 PM.
sexta-feira, julho 23
24. chico buarque
E do amor gritou-se o escândalo / Do medo criou-se o trágico / No rosto pintou-se o pálido / E não rolou uma lágrima / Nem uma lástima / Pra socorrer / E na gente deu o hábito / De caminhar pelas trevas / De murmurar entre as pregas / De tirar leite das pedras / De ver o tempo correr / Mas, sob o sono dos séculos / Amanheceu o espetáculo / Como uma chuva de pétalas / Como se o céu vendo as penas / Morresse de pena / E chovesse o perdão / E a prudência dos sábios / Nem ousou conter nos lábios / O sorriso e a paixão / Pois transbordando de flores / A calma dos lagos zangou-se / A rosa-dos-ventos danou-se / O leito dos rios fartou-se / E inundou de água doce / A amargura do mar / Numa enchente amazônica / Numa explosão atlântica / E a multidão vendo em pânico / E a multidão vendo atônita / Ainda que tarde / O seu despertar Por Marcelo Belico, às
4:11 PM.
terça-feira, julho 20
23. koan
"Qual o som que faz uma mão ao bater palma? Um koan é uma pergunta racional, feita por um mestre zen-budista, para seu aluno, a fim de que sua mente entre em colapso ao tentar responder. O colapso é na mente racional, deixando uma brecha, um vão para que adentre no espaço a mente cósmica, o insight que tudo sabe e é atemporal."
É preciso voltar a estudar, mesmo que seja somente para mudar o ponto de vista. Da vida para os livros, vez por outra é necessário. Muito bom envelhecer tentando compreender um pouco mais que o dia anterior. Por Marcelo Belico, às
3:40 PM.
sexta-feira, julho 16
22. escambo
Troco um alho por um bugalho, mesmo não sabendo do que se trata. Troco um sapo de brinquedo por uma lanterna japonesa. Troco, sem dó ou piedade, uma caixa de fósforos usados por um isqueiro sem gás. Troco um cobertor azul por uma mantilha de seda. Troco uma tesoura cega por um par de óculos velhos. Troco um sonho de padaria por uma marta rocha. Troco um telefone branco por uma campainha, ou um sino, ou um apito. Troco uma camiseta amarela por uma camiseta branca, ou seria o contrário?
Troco um sorriso amarelo por um par de olhos brilhantes, volto a diferença. Troco um vale de lágrimas por um copo de cólera. Troco, sem troco, uma vista da avenida cinza por uma casinha branca de varanda. Troco uma bicicleta por uma aliança. Troco um coração cansado por um outro, novo em folha, pronto para recomeçar. Por Marcelo Belico, às
1:00 AM.
terça-feira, julho 13
21. pouca coisa
Falta uma semana para meu aniversário. Pintei parte do cabelo de vermelho. Desejo mesmo de mudar. Por Marcelo Belico, às
11:39 AM.
sexta-feira, julho 9
20. quando neguei um cigarro
Fim de tarde, esperava o ônibus do trabalho para casa. Chegou a mulher, na cabeça um saco daqueles de mercado, branco, cheio. Devia pesar, ela carregava com um certo esforço. Não era alta, tinha face grave, daqueles rostos em que a inocência foi-se faz tempo. Nova, mal-encarava todos. Agressiva a figura, chegou ao ponto do ônibus reclamando um qualquer-coisa com a senhora. Eu parado ao lado do poste, fumando. Marlboro vermelho maço.
Ela assentou-se e, percebendo que eu fumava, pediu-me um cigarro. Não sei exatamente o porquê eu disse Não, só tenho esse. Menti, meu bolso estava cheio de cigarros iguais que faziam volume. Pediu um trago do meu e eu neguei. A mulher virou uma fera, seu desgraçado, mão de vaca, fedaputa... E eu fumava. Não sei por que neguei, eu nunca nego cigarros. Talvez porque vez por outra na vida seja preciso dizer não. Ou ouvir, vai saber. Por Marcelo Belico, às
4:03 AM.
terça-feira, julho 6
19. preto
Tenho um gosto especial por pães queimados, daqueles que se esquecem na chapa até virar carvão e, ao se comer, deixam na sua boca o sabor de você não se lembrou bem característico. O pão queimado, e acabo de comer um agora, quase sempre aparece quando é preciso lembrar de colocar os pés no chão, tocar a vida em frente sem deixar de cuidar das coisas pequenas, aceitar o todo-dia.
Prestar atenção ao pão da chapa para ele não queimar e prestar atenção ao cotidiano. Arrumar o armário e arrumar os sentimentos. Lavar a roupa e deixar os desejos ruins escoarem com a água suja. Assim tem sido. Por Marcelo Belico, às
8:37 AM.
sexta-feira, julho 2
18. pontinhos
Os olhos estão pesados demais para digitar, acho que vou-me render ao ócio e copiar algum texto velho guardado na pilha de papéis que amontôo. Pensei em contar que um dos meus passatempos prediletos na infância era brincar com uma coleção de porta-copos de metal branco com uma maçã desenhada no meio. Seria pouco convincente e nada poético. Um menino de oito anos extremamente gordo brincando com rodelas.
Aí lembrei que na mesma idade a revista que eu mais gostava de ler era a Casa Cláudia. Eu ficava horas a fio fantasiando que aquele monte de ambiente era uma casa enorme com passagens secretas, tudo decorado com o melhor estilo do mau gosto anos oitenta. A Casa Cláudia que eu mais gostava era a que tinha um sofá vermelho lindo, e uma sala com uma parede toda preta.
Resolvi não escrever sobre nada disso, nem porta copos nem Casa Cláudia, fica para uma outra vez. Por Marcelo Belico, às
12:01 AM.